2010/11/09

Sobre um querer

Diego Freitas - Unopen (olhares.com)

Cansei de paixões avassaladoras, de perder o fôlego e bambear as pernas e não saber mais pensar em nada. Quero um sentimento que vá nascendo devagarzinho, na tranquilidade da palavra, na sinceridade do sorriso, na certeza das horas, na boca de quem diz que gosta e é de verdade, vem de dentro, pulsa no peito. Quero algo que me impulsione a fazer planos, a mudar rotas se for necessário, a arriscar um passo a mais, ou talvez a dar um passo para trás. Quero pedir desculpas quando errar e não ser mal interpretada por isso. Quero também desculpar sem guardar mágoa, sem que a cicatriz fale mais alto do que o carinho. Quero não criar expectativas nenhuma para não me decepcionar, e sim, me surpreender. Porque o amor é assim, leve, pequeno, e vai se tornando um gigante, engole a gente e de repente eu sou o meu avesso, melhor e mais tua. Amor quietinho que começa no abraço e cresce pra não caber mais no mundo. Porque ele nasce assim, sendo plantado, cultivado, cuidado, desejado... daí nos surpreende, mas logo depois a gente entende e se entrega, porque é recíproco, é plural, e porque dessa vez vai valer a pena.

2010/11/06

Poesia - Reynaldo Jardim

O desafio de Gabriel
Reynaldo Jardim

O arquiteto é o engenheiro
da beleza funcional
que tem, como medida
padrão, a vital dimensão humana.
A pássara arquiteta o
ovo em sua forma exemplar
e limpa e pura, portanto,
bela. A lagarta arquiteta
o casulo, onde nascerá
a vida colorida, esvoaçando
seus azuis. O cupim arquiteta,
enquanto constrói seu
megalítico edifício com
milhares de compartimentos
e labirintos infindáveis, intricados,
que só ele decifra, percorre,
corre e ama.
A aranha-arquiteta teia, o
aranhol, moradia e armadilha
geometricamente desenhadas,
resistentes a chuvas, vendaval,
maldade humana.
Deus, arquiteto e engenheiro, em
seis dias arquitetou e construiu o
universo que, apesar de muito
antigo, ainda funciona
razoavelmente bem.
O homem arquiteta pontes,
monumentos, casas de morar e
trabalhar e morrer e orar.
Os outros animais, rastejantes
e voantes, mantêm o mesmo
estilo sempre funcional e belo.
O homem ainda não encontrou
o abrigo ideal para o
sonho e a vida, apesar de
inventar, a cada dia, formas
diversas para ocultar o
desassossego, tumulto e desespero.

2010/11/02

Da dor que ficou

José António - ID-37 (olhares.com)
.
Quando tu foste, habitou em mim uma dor. Em mim ficou aquela lacuna, como uma ferida que emerge dia a dia ainda mais forte, e lateja, e incomoda. (já faz tanto tempo, né?). É que a nossa cumplicidade era grande, o nosso carinho, saber com qual palavra tu terminarias a frase. Sabíamos de nós. Sabíamos de um sentimento bonito. Tu foste e eu, precisando seguir outro rumo, me vi assim, com essa dor toda... e os dias foram passando, a tua falta crescendo, e eu precisando de uma rota diferente daquele caminho que traçavamos. Mais um dia, mais uma espera, mais um vácuo. Até que, no lugar dessa dor, nasceu uma saudade, talvez até maior do que a dor, para ocupar o lugar, tomar conta de tudo. E eu me vi diferente. o mesmo carinho. as mesmas lembranças. a mesma memória que guarda o teu nome e te procura. Porém livre, sabendo do destino que não erra nunca, até para separações. Hoje não sei mais em que pensas, se pensas em mim, ou no que vivemos. O tempo passa, as lembranças ficam espaçadas, e tudo vai se esvaindo... não sei mesmo, mas procuro viver com o que foi bom, o que nos fez ser melhores, até quando nos foi permitido.
Difícil, porém necessário.
.
A dor é, em algum grau, libertadora.

2010/10/06

A pena - que é o desejo -

Sara - Feather me


Tecidas as horas de mais um dia, eu sou um corpo que despe-se das monotonias e rotinas e queda sobre um lençol emaranhado. quieta. permaneço. um desejo, como pena, balança no ar, não sabendo para onde vai, e tampouco se importa com isso. não há mais. vai para lá e para cá e o meu corpo é um peso do fim do dia. repleto de faltas. de medos. de dúvidas...

Suspenso no ar, percebo que procura um lugar para se recostar. mas o meu corpo é o peso. o peso e o sopro de quem cansou-se das horas. não há mais. uma lágrima se forma no canto do olho e escorre sozinha e desprendida até o travesseiro. já não sei se me importo. no corpo e no peso e na solidão desse momento, muita coisa é efêmera. talvez essa lágrima quisesse definir algo, mas é apenas mais um desses pesos. o meu corpo, as horas, o silêncio e uma lágrima. não há mais. percebo que a suavidade do desejo, a pena, escolhe cair perto de mim, ao lado do travesseiro. lentamente levo a mão direita até ela e agarro-a com uma força de quem não quer deixar se esvair essa ponta de algo que pode reascender qualquer chama. agora somos nós: o meu corpo, as horas, o silêncio, a lágrima incompreendida e um desejo capturado que, refém dos meus dedos, quer rende-se, na ansiedade de transformar -se logo em ternura, em palavra, em amor.

e inundar.me.

2010/09/14

Fato

Nuno Chacolo - Storm Days (olhares.com)

''Não tenho nada a perder, a não ser ilusões.''

(Maritza, do sucrilhos-e-bigornas)


2010/09/11

26 anos

Tapeceiro, não se engana
Sabe o fim desde o começo,
Traça voltas, mil desvios sem perder o fio

Minha vida é obra de tapeçaria,
É tecida de cores alegres e vivas,
Que fazem contraste no meio das cores
Nubladas e tristes
Se você olha do avesso,
Nem imagina o desfecho
No fim das contas, tudo se explica,
Tudo se encaixa, tudo coopera pro meu bem

Quando se vê pelo lado certo,
Muda-se logo a expressão do rosto...

.

.

Trecho de O Tapeceiro - Composição: Stênio Március

=)

Foto: desconheço autoria

2010/08/07

Até quando?

Desconheço autoria

O discurso do `` é difícil pra mim``, seja em relação a trabalho, mudanças, sentimentos, sonhos, pode até parecer interessante, mas também um pouco cínico. Contenta-se com menos do que se pode. Já que é difícil, vou ficar com esse trabalho mesmo, esse amor mesmo, essa vida rotineira e desgastante mesmo. É mais fácil dizer que é difícil do que levantar e ir tentar. Não que não devêssemos nos ajustar a situações, mas afirmar sempre que é tudo tão difícil soa um pouco cômodo. O que fazer para parecer ser fácil, ou menos difícil? Mudar a forma de pensar, querer sentir, mover-se contra a inércia que insiste em nos deixar estagnados vendo a vida passar? Não sei, eu também costumo me esquivar de tantas responsabilidades e desejos simplesmente porque `` é difícil pra mim.`` Não estou aqui para sustentar um discurso de auto ajuda : tente, vá, lute, você vai vencer! Seria muita hipocrisia, mas parei pra pensar nessa frase de ser tudo sempre tão difícil, e eu continuar dizendo isso pra mim, pro meu coração e pro mundo... Daí a vida vai correndo (e não espera), estações vem e vão, amores idem, oportunidades, e eu acabo me vendo como essa estátua aí, estagnada, imóvel, e cheia de ``dificuldades``, segurando o que a vida tem de melhor. A gente vira uma casca cheia de vontades e desejos por dentro, mas esses não afloram devido a nossa des-esperança de que talvez possa dar certo, mas é melhor nem tentar, é tããao difícil!

Mas vem cá, é fácil pra quem?

(e ser tudo difícil cansa...)

2010/07/28

Desejo

Paulo A. - [My secret november...] - (olhares.com)

Que o medo um dia se torne um grande amor.

2010/07/10

E se eu te pedisse pra tentar entender?

Desconheço autoria

Só me perdoa, perdoa mesmo, se eu não consigo retribuir da mesma forma esse prenúncio de algo bom. É porque, das desilusões da vida, das perdas e tropeços, criei uns espinhos aqui e acolá para me proteger não sei de quem, ou do quê. Sei que pode doer em você, mas eu sem bem o que eu tive que passar para estar aqui. Você não tem nada a ver com isso, muito pelo contrário, tu és um sorriso que a vida me deu, só não sei por quanto tempo. Mas se for só até amanhã ou depois, já valeu essa ternura toda, ainda que momentânea. São bons momentos assim que acalmam a alma, despertam o coração...

Perdoa se o tom da voz não é o mesmo, mas eu tento, eu sempre tento. Se, por vezes, a mão que toca o teu rosto parece um tanto pesada, ou áspera, mas é que por alguns motivos, que um dia prometo te contar, desaprendi a ser tão suave como sempre idealizei ser. Mas eu estou tentando, eu sempre tento. Só não sei se você tem paciência para esperar. Tem?

Desculpa essa falta de jeito, essa falta da palavra, da presença, mas é que, quando o sol brilha um pouco mais forte lá fora, anunciando um dia que vai ser muito bom, essa luz ainda fere um pouco as vistas.

2010/06/15

Da série: uma saudade imensa

Hoje eu senti falta do seu sorriso.

2010/05/04

De súbito

Limone - Itália

De repente um sentimento de despertencer, como se um barco que se desvencilha da âncora, como se uma pétala que explode do broto, como se a asa do filhote que se abre, como se a gota que cai da ponta da folha, como se o velho que se livra da bengala, como se a lágrima que se despede dos olhos... de repente esse sentir-se ímpar, sem saber como, o quê ou para onde, como se uma voz que chamasse pelo meu nome ecoasse distante, num clarão que já não cabe e rompe as frestas do coração e da alma, que só querem sentir-se completos.


2010/04/05

Duas solidões

Wish you were here - Desconheço autoria

Duas solidões são passantes que se entreolham, mas não se vêem exatamente nos olhos do outro. Vêem vultos, rabiscos, mas não a si. Mas, mesmo assim, sorriem, querendo transmitir o sorriso que pertence à outra pessoa. E eles sabem disso.

Duas solidões andam de mãos entrelaçadas, mas a mão é fria, o coração é distante. Mas, mesmo assim, trocam palavras bonitas, ainda que essas palavras tenham um destinatário, no fundo do peito, diferente.

Duas solidões brincam, mas a brincadeira, na realidade, não tem graça.

Duas solidões dizem palavras tocantes, e se forçam a acreditar nelas, mesmo sabendo que aquilo não o toca da mesma forma que tocaria se fosse dito por aquele ao qual pertencem realmente. E eles também sabem disso.

Elas se enganam... Duas solidões que insistem em se encontrar, em estar perto, mas só fazem é se afastar, e se perder de si.

E existem tantas solidões por aí, insistindo inutilmente em ser felicidade... não é?

Eu desejo que você nunca encontre a sua solidão gêmea ou muito parecida, como eu já encontrei e convivi. Que você nunca permita se enganar desse modo. Que realmente espere por quem ama. Afinal, ser solidão é acabar como aquele pássaro que, preso na gaiola há tanto tempo, e já acostumado a viver assim, desaprendeu a cantar. E eu não quero nunca que você desaprenda a amar.

Nunca.

2010/03/25

O fim do dia

Policarpo - Segredos (olhares.com)

O dia me cansa. As perguntas continuam pairando no ar. As certezas são escassas. Farta-me a indiferença das pessoas, a falta de sentimento. O tempo vai engolindo as horas como quem não se ressente de permitir um pouco mais de cor. É difícil lidar com a vida.

Resolvo voltar para casa, tomar um banho e, antes de lembrar do dia de amanhã, recolho-me a pensar em ti. É que quero um momento de paz, e, pensar num passado que reincide nessas horas que restam, solitárias, traz alento. Os nossos quase-eternos momentos. Às vezes quase não me lembro de muitos detalhes, ou não me esforço para tal. Basta-me lembrar da tua mão sobre a minha, do nosso silêncio, da minha não-solidão...

E, pensando que estás descansando, ou lendo, ou quem sabe vivendo também dessa forma... ou ainda que não estejas fazendo nada disso, eu, na ânsia por ti, desejo tomar carona nesse vento que sopra anunciando chuva, e, secretamente calada, sorrateiramente tua e instantaneamente feliz, ir até onde estás e dar um beijo em cada um dos teus olhos.

2010/02/20

A solidão da palavra

Praça da Catedral de Notre Dame - Paris

A solidão de uma palavra que consiga traduzir a ansiedade ou o temor de um momento qualquer parece povoar um vento que não sopra. Talvez nessa brisa é que esteja a palavra, o sentimento, a substância. A solidão da palavra habita na monotonia e na ordinariedade dos dias. A página em branco não consegue colorir-se de letras e sentimentos, porque, sozinhas, padecemos. Talvez o que devesse nortear o coraçao não deveria ser a falta (de coragem) da palavra, mas, de repente, um querer maior, uma vontade (mas falta coragem) de traduzir-se nas entrelinhas do pensar.
Por hora habitam-me a solidão da palavra, o vento que não sopra e um desejo qualquer de ser compreendida.